O TREINADOR MCCONAUGHTY FICOU DE PÉ NO QUADRO-NEGRO falando
com monotonia sem parar sobre algo, mas a minha mente estava distante das
complexidades da ciência.
Eu estava ocupada formulando razões para o porque Joe e eu
não deveríamos mais ser parceiros, fazendo uma lista delas atrás de um teste
velho. Assim que a aula acabasse, eu apresentaria meus argumentos para o
Treinador. Não coopera em tarefas, eu escrevi. Mostra pouco
interesse em trabalhos de equipe.
Mas eram as coisas que não estavam listadas que me
incomodavam. Eu achava a localização da marca de nascença de Joe estranha, e eu
fiquei assustada com o acidente na minha janela na noite passada. Eu não
suspeitei de imediato de Joe me espionando, mas eu não conseguia ignorar a
coincidência de que eu tinha quase certeza de ter visto alguém olhando na minha
janela só horas depois de tê-lo conhecido.
Ao pensar em Joe me espionando, eu alcancei o compartimento
dianteiro da minha mochila e chacoalhei duas pílulas de ferro de uma garrafa,
engolindo-as inteiro. Elas prenderam na minha garganta por um instante, então
acharam seu caminho na descida.
De canto de olho, eu capturei as sobrancelhas erguidas de Joe.
Eu considerei explicar que eu era anêmica e que tinha que
tomar ferro algumas vezes por dia, especialmente quando estava estressada, mas
eu pensei melhor. A anemia não era uma questão de vida ou morte... contanto que
eu tomasse doses regulares de ferro. Eu não era paranóica ao ponto de pensar
que Joe queria me ferir, mas de algum modo, minha condição médica era uma
vulnerabilidade que parecia melhor guardada em segredo.
“Demi?”
O Treinador ficou de pé na frente da sala, sua mão esticada
em um gesto que mostrava que ele estava esperando por uma coisa – minha
resposta. Uma queimação vagarosa achou seu caminho até as minhas bochechas.
“Você poderia repetir a pergunta?” eu perguntei.
A sala deu risinhos.
O Treinador disse, com uma leve irritação, “Quais as
qualidade que te atraem em um parceiro em potencial?”
“Parceiro em potencial?”
“Vamos lá, não temos a tarde toda.”
Eu conseguia ouvir a Miley rindo atrás de mim.
Minha garganta pareceu se contrair. “Você quer que eu liste
características de um...?”
“Parceiro em potencial, sim, isso seria prestativo.”
Sem querer fazê-lo, eu olhei de lado para Joe. Ele estava
relaxado em seu assento, quase preguiçosamente, estudando-me com satisfação.
Ele deu um relampejo de seu sorriso de pirata e balbuciou, Estamos
esperando.
Eu empilhei minhas mãos na mesa, esperando parecer mais
contida do que eu me sentia. “Eu nunca pensei nisso antes.”
“Bem, pense rápido.”
“Você poderia chamar outra pessoa primeiro?”
O Treinador gesticulou impacientemente para a minha
esquerda. “É com você, Joe.”
Ao contrário de mim, Joe falou com confiança. Ele se posicionou
para que seu corpo ficasse virado ligeiramente na direção do meu, nossos
joelhos a meros centímetros de distância.
“Inteligente. Atraente. Vulnerável.”
O Treinador estava ocupado listando os adjetivos no quadro.
“Vulnerável?” ele perguntou. “Como assim?”
Miley falou. “Isso tem alguma coisa a ver com a unidade que
estamos estudando? Porque eu não consigo achar nada sobre características
desejadas em um parceiro em lugar alguma do nosso texto.”
O Treinador parou de escrever tempo o bastante para olhar
sobre seu ombro. “Todos os animais no planeta atraem parceiros com o objetivo
de reproduzir. Sapos incham seus corpos. Gorilas machos batem em seus peitos.
Você já observou uma lagosta macho subir nas pontas dos pés e estalar suas
garras, exigindo a atenção da fêmea? Atração é o primeiro elemento de toda a
reprodução animal, incluindo os humanos. Por que não nos dá a sua lista, Srta.
Miley.”
Miley levantou cinco dedos. “Lindo, rico, indulgente,
ferozmente protetor, e só um pouquinho perigoso.” Um dedo descia com cada
descrição.
Joe riu baixinho. “O problema com a atração humana é não
saber se ela será retornada.”
“Excelente argumento,” o Treinador disse.
“Humanos são vulneráveis,” Joe continuou, “porque são
capazes de se magoar.” Com isso o joelho de Joe bateu contra o meu. Eu me
afastei, não ousando me deixar perguntar o que ele queria dizer com o gesto.
O Treinador acenou. “A complexidade da atração humana – e da
reprodução – é uma das características que nos diferenciam das outras
espécies.”
Eu pensei ter ouvido Joe bufar com isso, mas foi um som
muito suave, e eu não consegui ter certeza.
O Treinador continuou, “Desde o começo dos tempos as
mulheres se atraíram por parceiros com habilidades de sobrevivência fortes –
como inteligência e proeza física – porque homens com essas qualidades tem mais
chances de trazer a janta para casa no final do dia.” Ele levantou dois dedões
no ar e sorriu. “Janta equivale a sobrevivência, time.”
Ninguém riu.
“Igualmente,” ele continuou, “os homens são atraídos pela
beleza porque indica saúde e juventude – não há razão para se acasalar com uma
mulher doente que não estará por perto para criar as crianças.” O Treinador
empurrou seu óculos até a ponte do nariz e deu risada.
“Isso é tão sexista,” Miley protestou. “Me conte alguma
coisa que se relacione a uma mulher no século vinte e um.”
“Se você abordar a reprodução aos olhos da ciência, Senhoria
Sky, você verá que as crianças são a chave para a sobrevivência da nossa
espécie. E quanto mais filhos você tem, maior a sua contribuição para o
patrimônio genético.”
Eu praticamente escutei os olhos da Miley girando. “Eu acho
que finalmente estamos chegando perto do tópico de hoje. Sexo.”
“Quase,” disse o Treinador, levantando um dedo. “Antes do
sexo vem a atração, mas depois da atração vem a linguagem corporal. Você tem
que comunicar ‘Estou interessado’ para um parceiro em potencial, só que não em
tantas palavras.”
O Treinador apontou para o meu lado. “Certo, Joe. Digamos
que você está numa festa. A sala está cheia de meninas de todas as formas e
tamanhos diferentes. Você vê loiras, morenas, ruivas, algumas meninas de cabelo
preto. Algumas são extrovertidas, enquanto outras aparentam ser tímidas. Você
achou uma garota que encaixe no seu perfil – atraente, inteligente, e
vulnerável. Como você a deixa saber que está interessado?”
“Escolho-a. Falo com ela.”
“Bom. Agora para a pergunta principal – como você sabe se
ela está na sua ou se ela quer que você continue andando?”
“Eu a estudo,” Joe diz. “Eu descubro o que ela está pensando
e sentindo. Ela não vai vir de supetão e me contar, e é por isso que eu tenho
de prestar atenção. Ela vira seu corpo em direção ao meu? Ela olha nos meus
olhos, então desvia o olhar? Ela morde seu lábio e brinca com seu cabelo, como
a Demi está fazendo agora?”
Risadas cresceram na sala. Eu derrubei minhas mãos em meu
colo.
“Ela está na minha,” disse Joe, batendo na minha perna
novamente. De todas as coisas, eu corei.
“Muito bem! Muito bem!” o Treinador disse, sua voz
carregada, sorrindo amplamente para a nossa atenção.
“As veias de sangue no rosto da Demi estão se alargando e a
pele dela está esquentando,” Joe disse. “Ela sabe que está sendo avaliada. Ela
gosta da atenção, mas ela não tem certeza de como lidar com isso.”
“Eu não estou corando.”
“Ela está nervosa,” Joe disse. “Ela está acariciando seu
braço para tirar a atenção de seu rosto para seu corpo, ou talvez para a pele
dela. Ambos são pontos vencedores fortes.”
Eu quase engasguei. Ele está brincando, eu disse a mim
mesma. Não, ele é insano. Eu não tenho experiência em lidar com lunáticos,
e aparecia. Eu sentia que eu passava a maior parte do nosso tempo juntos
encarando Joe, de boca aberta. Se eu tinha qualquer ilusão sobre ficar no mesmo
nível dele, eu ia ter que bolar uma nova abordagem.
Eu coloquei minhas mãos contra a mesa, levantei meu queixo,
e tentei parecer como se eu ainda possuísse alguma dignidade. “Isso é
ridículo.”
Esticando seu braço ao seu lado com uma dissimulação
exagerada, Joe o pendurou nas costas da minha cadeira. Eu tinha o estranho
pressentimento que isso era uma ameaça mirada diretamente a mim, e que ele
estava alheio e indiferente de como a turma recebia isso. Eles riam, mas ele
não parecia ouvir, segurando os meus olhos tão unicamente com os seus próprios
que eu quase acreditava que ele tinha esculpido um mundo pequeno e privado para
nós que ninguém mais podia alcançar.
Vulnerável, ele balbuciou.
Eu travei meus tornozelos ao redor das pernas da minha
cadeira e dei um solavanco para frente, sentindo o peso do braço dele cair das
costas do assento. Eu não era vulnerável.
“E aí está!” o Treinador disse. “Biologia em ação.”
“Podemos por favor falar sobre sexo agora?” perguntou Miley.
“Amanhã. Leiam o capítulo sete e estejam prontos para uma
discussão imediata.”
O sinal tocou, e Joe rangeu sua cadeira. “Isso foi
divertido. Vamos fazer de novo algum dia.” Antes que eu pudesse bolar algo mais
incisivo do que não, obrigada, ele se debruçou atrás de mim e desapareceu para
fora da porta.
“Eu vou começar uma petição para despedirem o Treinador,” Miley
disse vindo até a minha mesa. “O que foi a aula hoje? Foi um pornô aguado. Ele
praticamente colocou você e Joe em cima da sua mesa, na horizontal, sem suas
roupas, fazendo A Coisa –”
Eu a focalizei com um olhar que dizia, Parece que eu
quero uma repetição?
“Noossa,” Miley disse, recuando.
“Eu preciso falar com o Treinador. Te encontro no armário em
dez minutos.”
“Sem dúvida.”
Eu caminhei até a mesa do Treinador, onde ele estava sentado
encurvado sobre um livro de jogadas de basquete. Ao primeiro olhar, todos os Xs
e Os faziam parecer que ele estava jogando jogo da velha.
“Oi, Demi” ele disse em olhar para cima. “O que posso fazer
por você?”
“Estou aqui para te dizer que seu novo mapa de assento e
plano de aula está me deixando desconfortável.”
O Treinador relaxou em sua cadeira e dobrou suas mãos atrás
de sua cabeça. “Eu gosto do mapa de assentos. Quase tanto quanto eu gosto desse
jogo de homem-a-homem em que estou trabalhando para o jogo de sábado.”
Eu coloco uma cópia do código de conduta e direitos estudantis
da escola bem no topo dele. “Por lei, nenhum estudante deveria se sentir
ameaçado nas propriedades escolares.”
“Você se sente ameaçada?”
“Eu me sinto desconfortável. E eu gostaria de propor uma
solução.” Quando o Treinador não me cortou, eu inspirei um sopro de confiança.
“Eu monitorarei qualquer estudante das suas aulas de biologia – se você me
sentar ao lado da Miley novamente.”
“Joe podia ser monitorado.”
Eu resisti cerrar meus dentes. “Isso acaba com o propósito.”
“Você o viu hoje? Ele estava envolvido na discussão. Eu não
o ouvi dizer uma palavra o ano todo, mas eu coloco ele ao seu lado e – bingo. A
nota dele aqui vai melhorar.”
“E a da Miley vai cair.”
“Isso acontece quando você não pode olhar pro lado pra pegar
a resposta certa,” ele disse secamente.
“O problema da Miley é falta de dedicação. Eu monitorarei
ela.”
“Nada feito.” Olhando para seu relógio, ele disse, “Estou
atrasado para uma reunião. Acabamos aqui?”
Eu fiquei parada com a minha boca entreaberta, espremendo o
meu cérebro para cuspir mais um argumento. Mas parecia que eu estava sem
inspiração.
“Vamos dar ao mapa de assento mais algumas semanas. Ah, e eu
falei sério sobre monitorar Joe. Vou considerar você dentro.” O Treinador não
esperou pela minha resposta; ele assobiou a música tema de Jeopardy e
mergulhou para fora da porta.
Às sete horas o céu tinha escurecido para um azul
enegrecido, e eu fechei meu casaco para me aquecer. Miley e eu estávamos a
caminho do cinema para o estacionamento, tendo acabado de assistir O
Sacrifício.
Era meu trabalho resenhar filmes para o eZine, e já que eu
já tinha visto todos os outros filmes passando no cinema, tínhamos nos
resignado ao último suspense urbano.
“Esse,” Miley disse, “foi o filme mais bizarro que eu já vi.
Como regra, não temos mais permissão de ver nada que sugira horror.
Por mim tudo bem. Levando em consideração que alguém
estivera espreitando do lado de fora da janela do meu quarto na noite passada e
combinando isso com um filme totalmente desenvolvido sobre um perseguidor essa
noite, e eu estava começando a me sentir um tantinho paranóica.
“Consegue imaginar?” Miley disse. “Viver sua vida toda não
tendo uma pista de que a única razão para que você é mantida viva é para ser
usada como um sacrifício?”
Ambas estremecemos.
“E qual era a daquele altar?” ela continuou, irritantemente
alheia que eu teria preferido falar sobre o círculo da vida de um fungo do que
sobre o filme. “Por que aquele cara mau tocou fogo na pedra antes de amarrá-la?
Quando eu escutei a carne dela chiar –”
“Está certo!” Eu praticamente gritei. “Para onde agora?”
“E posso só dizer que se um cara alguma vez me beijar desse
jeito, eu vou começar a vomitar. Repulsivo não consegue descrever o que
acontecia com a boca dele. Aquilo era maquiagem, certo? Quero dizer, ninguém realmente
tem uma boca como aquela na vida real –”
“Minha resenha é para a meia-noite,” eu disse, cortando-a.
“Ah. Certo. Para a biblioteca, então?” Miley destrancou as
portas de seu Dodge Neon roxo 1995. “Você está sendo terrivelmente sensível,
sabe.”
Eu deslizei para o assento do passageiro. “Culpa do filme.”
Culpa do pervertido na minha janela ontem a noite.
“Não estou falando só sobre hoje a noite. Eu notei,” ela
disse com uma travessa curva de sua boca, “que você ficou excepcionalmente
mal-humorada por uma boa meia hora no final da aula de biologia nos últimos
dois dias.”
“Fácil também. Culpe o Joe.”
Os olhos da Miley moveram-se rapidamente para o espelho
retrovisor. Ela o ajustou para olhar melhor seus dentes. Ela os lambeu, dando
um sorriso praticado.
“Eu tenho que admitir, o lado obscuro dele me atrai.”
Eu não tinha desejo algum de admitir isso, mas Miley não
estava sozinha. Eu me sentia atraída por Joe de uma maneira que eu nunca me
senti atraída por ninguém. Havia um magnetismo obscuro entre nós. Perto dele,
eu me sentia atraída pelos precipícios do perigo. A qualquer momento, parecia
que ele podia me empurrar do precipício.
“Ouvir você dizer isso me fazer querer –” eu parei, tentando
pensar exatamente no que a nossa atração pelo Joe me fazia querer fazer. Algo
desagradável.
“Me diga que você não acha que ele é bonito,” Miley disse,
“e eu prometo que nunca trarei o nome dele a tona novamente.”
Eu estiquei meu braço para ligar o rádio. De tudo, devia
haver algo melhor a fazer do que arruinar a nossa noite convidando Joe, mesmo
que de forma abstrata, para ela. Sentar ao lado dele por uma hora todo dia,
cinco dias por semana, era muito mais do que eu podia aguentar. Eu não lhe
daria minhas noites também.
“Bem?” Miley pressionou.
“Ele pode ser bonito. Mas eu seria a última a saber. Eu sou
uma jurada maculada nessa questão, desculpa.”
“O que isso quer dizer?”
“Quer dizer que eu não consigo passar pela personalidade
dele. Nenhuma quantidade de beleza pode compensá-la.”
“Beleza não. Ele é... ousado. Sexy.”
Eu girei meus olhos.
Miley buzinou e bateu em seu freio enquanto um carro parava
na frente dela.
“O quê? Você discorda, ou rude-e-diabólico não é o seu
tipo?”
“Eu não tenho um tipo,” eu disse. “Não sou tão restrita.”
Miley riu. “Você, querida, é mais do que restrita – você é
confinada. Limitada. Seu espectro é tão largo quanto um dos micro-organismos do
Treinador. Há muitos poucos, se há algum, garotos na escola por quem você
ficaria caída.”
“Isso não é verdade.” Eu disse as palavras automaticamente.
Não foi até eu tê-las dito que eu me perguntei o quanto eram acuradas. Eu nunca
estive seriamente interessada em ninguém. Como eu era estranha. “Não tem a ver
com garotos, tem a ver com... amor. Eu não o achei.”
“Não tem a ver com amor,” Miley disse. “Tem a ver com
diversão.”
Eu levantei minhas sobrancelhas, duvidosa. “Beijar um cara
que eu não conheço – que eu não gosto – é divertido?”
“Você não esteve prestando atenção na aula de biologia? É
muito mais do que beijar.”
“Ah,” eu disse em uma voz iluminada. “O patrimônio genético
está deturpado o bastante sem eu contribuir com ele.”
“Quer saber quem eu acho que seria realmente bom?”
“Bom?”
“Bom?” ela repetiu com um sorriso indecente.
“Não particularmente.”
“O seu parceiro.”
“Não chame ele disso,” eu disse. “Parceiro tem uma conotação
positiva.”
Miley espremeu-se em uma vaga próxima das portas da
biblioteca e deixou o motor morrer. “Você já fantasiou sobre beijá-lo? Você já
deu uma espiadinha de lado e imaginou se jogar no Joe e comprimir sua boca
contra a dele?”
Eu encarei ela com um olhar que esperava transmitir um
choque alarmado. “Você já deu?”
Miley sorriu.
Eu tentei imaginar o que Joe faria se fosse apresentado a
essa informação. Do pouco que eu sabia sobre ele, eu sentia sua aversão pela Miley
como se fosse concreta o bastante para tocar.
“Ele não é bom o bastante para você,” eu disse.
Ela gemeu. “Cuidado, você só vai fazer eu querer ele ainda
mais.”
Dentro da biblioteca nós pegamos uma mesa no térreo, perto
de ficção adulta. Eu abri meu laptop e digitei: O Sacrifício, duas
estrelas e meia. Duas e meia provavelmente era baixo. Mas eu tinha muito
na minha mente e não estava me sentindo particularmente justa.
Miley abriu um saco de chips de maça seca. “Quer um pouco?”
“Não, obrigada.”
Ela espiou dentro do saco. “Se você não vai comê-las, eu
terei que. E eu realmente não quero.”
Miley estava na dieta da fruta roleta-da-cor. Três frutas
vermelhas por dia, duas azuis, um punhado de verdes...
Ela levantou um chip de maça, examinando-o de frente e de
costas.
“Que cor?” eu perguntei.
“Verde-maça-de-fazer-vomitar-ovas-de-peixe. Eu acho.”
Bem então Selena Gomez, a única estudante do segundo ano do
time de líderes de torcida na história da Coldwater High, tomou um assento na
beirada de nossa mesa. Seu cabelo castanho escuro estava penteado em
marias-chiquinhas baixas, e como sempre, sua pele estava oculta debaixo de meio
tubo de base. Eu estava positivamente certa de que tinha acertado a quantidade
certa, já que não havia um traço de suas espinhas a vista. Eu não via as espinhas
da Selena desde a sétima série, o mesmo ano em que ela descobriu Mary Kay.
Havia três quartos de dois centímetros entre a bainha de sua saia e o começo de
sua calcinha... se ela estava ao menos usando uma
“Oi, Gigante,” Selena
disse para Miley.
“Oi, Aberração,” Miley disse de volta.
“Minha mãe está procurando por modelos esse final de semana.
O pagamento é nove dólares por hora. Pensei que você poderia estar
interessada.”
A mãe da Selena gerencia a JCPenney10 local, e nos
finais de semana ela faz a Selena e o resto das líderes de torcida modelaram em
biquínis na janela de exposição encarando a rua da loja.
“Ela está tendo muita dificuldade em achar modelos de
lingerie plus-size,” disse Selena.
“Você tem comida presa nos seus dentes,” Miley disse a Selena.
“Na fenda entre os seus dois dentes da frente. Parece com o chocolate
Ex-Lax11...”
Selena lambeu seus dentes e deslizou da mesa. Enquanto ela
ia embora gingando, Miley enfiou seu dedo em sua boca e fez gestos de vômito
para as costas da Selena. “Ela tem sorte de estarmos na biblioteca,” Miley me
disse. “Ela tem sorte de não termos nos cruzado em um beco escuro. Última
chance – quer chips?”
“Passo.”
Miley vagou para descartar os chips. Alguns minutos depois
ela retornou com um livro de romance. Ela tomou o assento ao meu lado e,
mostrando a capa do livro, disse, “Algum dia seremos nós. Arrebatadas por
caubóis parcialmente vestidos. Eu me pergunto como é beijar um par de lábios
queimados pelo sol e com crostas de lama?”
“Sujo,” eu murmurei, digitando.
“Falando em sujo.” Houve um aumento inesperado em sua voz.
“Lá está o nosso menino.”
Eu parei de digitar tempo o bastante para espiar sobre meu
laptop, e meu coração pulou uma batida. Joe estava de pé do outro lado da sala
na fila de empréstimo. Como se ele tivesse me sentido observando-o, ele se
virou. Nossos olhos se trancaram por um, dois, três instantes. Eu quebrei-o
primeiro, mas não antes de receber um sorriso vagaroso.
As batidas do meu coração ficaram erráticas, e eu disse a
mim mesma para me controlar. Eu não ia ir por essa estrada. Não com o Joe. Não
a não ser que eu estivesse louca.
“Vamos,” eu disse a Miley. Fechando meu laptop, eu o fechei
dentro de sua pasta. Eu empurrei meus livros dentro da minha mochila,
derrubando alguns no chão enquanto o fazia.
Miley disse, “Estou tentando ler o título que ele está
segurando... espera aí… Como Ser um Perseguidor.”
“Ele não está emprestando um livro com esse
título.” Mas eu não estava certa.
“É ou esse ou Como Irradiar Sensualidade Sem Tentar.”
“Shh!” Eu sibilei.
“Acalme-se, ele não consegue ouvir. Ele está falando com a
bibliotecária. Ele está indo embora.”
Confirmando isso com uma rápida olhada, eu percebi que se
fôssemos embora agora, provavelmente o encontraríamos na porta de saída. E
então seria esperado que eu dissesse algo para ele. Eu me ordenei a voltar para
a minha cadeira e procurei diligentemente nos meus bolsos por coisa alguma
enquanto ele terminava de sair.
“Você acha que é sinistro ele estar aqui na mesma hora que
nós?” Miley perguntou.
“Você acha?”
“Eu acho que ele está te seguindo.”
“Eu acho que é uma coincidência.” Isso não era inteiramente
verdade. Se eu tivesse que fazer uma lista dos dez lugares em que eu esperaria
encontrar Joe
em qualquer noite, a biblioteca pública não entraria. A biblioteca
não entraria nos cem lugares. Então o que ele estava fazendo aqui?
A pergunta era particularmente perturbadora depois do que
acontecera ontem a noite. Eu não tinha mencionado isso para Miley porque eu
esperava que isso encolhesse e murchasse na minha memória até parasse de ter
acontecido. Ponto.
“Joe!” Miley fingiu sussurrar. “Você está perseguindo a
Nora?”
Eu fixei minha mão sobre a boca dela. “Para com isso. Falo
sério.” Eu fiz uma cara severa.
“Aposto que ele está te seguindo,” disse Miley, forçando a
minha mão a sair. “Eu aposto que ele tem um histórico disso também. Eu aposto
que ele tem medidas cautelares. Deveríamos entrar escondidas no escritório
principal. Tudo deve estar na ficha estudantil dele.”
“Não vamos entrar escondidas no escritório principal.”
“Eu podia criar uma distração. Sou boa em distrações.
Ninguém veria você entrar. Poderíamos ser como espiãs.”
“Não somos espiãs.”
“Sabe o sobrenome dele?” Miley perguntou.
“Não.”
“Sabe alguma coisa sobre ele?”
“Não. E eu gostaria de continuar desse jeito.”
“Ah, vamos lá. Você ama um bom mistério, e não fica melhor
que isso.”
“Os melhores mistérios envolvem um corpo morto. Não temos um
corpo morto.”
Miley deu um gritinho. “Ainda não!”
Chacoalhando duas pílulas de ferro da garrafa na minha
mochila, eu as engoli juntas.
Miley fez o Neon saltar em sua entrada logo depois das nove
e meia. Ela desligou o motor e balançou as chave na minha frente.
“Você não vai me levar para casa?” eu perguntei. Um
desperdício de fôlego, já que eu sabia a resposta dela.
“Tem névoa.”
“Uma névoa remendada*.”
* No original, ‘patchy’, que significa remendo e é um
trocadilho com o nome do Patch.
Miley sorriu. “Ah, cara. Ele está tão na sua mente. Não que
eu te culpe. Pessoalmente, estou esperando sonhar com ele hoje a noite.”
Argh.
“E a névoa sempre piora perto da sua casa,” Miley continuou.
“Me assusta depois de escuro.”
Eu agarrei as chaves. “Muito obrigada.”
“Não me culpe. Diga a sua mãe para se mudar mais pra perto.
Diga a ela que tem esse clube novo chamado civilização e que vocês deveriam se
juntar.”
“Suponho que espera que eu te pegue antes da escola amanhã?”
“As sete e meia seria bom. Café da manhã por minha conta.”
“É melhor que seja bom.”
“Seja boazinha com o meu bebê.” Ela deu um tapinha no
para-lama do Neon. “Mas não boazinha demais. Não posso fazê-la pensar que tem
melhor aí fora.”
Na viagem para casa eu permiti que meus pensamentos fizessem
uma pequena viagem para Joe.
Miley estava certa – algo sobre ele era incrivelmente
sedutor. E incrivelmente sinistro. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu
estava convencida de que algo nele era... estranho. O fato dele gostar de me
antagonizar não era exatamente digno de notícia, mas havia uma diferença entre
me irritar durante a aula e possivelmente me seguir até a biblioteca
para conseguir isso. Não são muitas as pessoas que se dariam a tanto
trabalho... a não ser que tivessem uma boa razão.
Na metade do caminho para casa uma chuva incitou nuvens
finas a cobrirem a estrada. Dividir minha atenção entre a estrada e os controles
no volante, eu tentei localizar os limpadores.
As luzes da rua relinchavam acima e eu me perguntei se uma
tempestade mais forte estava se aproximando. Tão perto assim do oceano o clima
mudava constantemente, e uma pancada de chuva podia rapidamente se transformar
em uma inundação.
Eu acelerei o Neon.
As luzes do lado de fora piscaram novamente. Um
pressentimento gelado espetou a parte de trás do meu pescoço, e os pelos nos
meus braços formigaram. Meu sexto sentido passou para um alerta máximo. Eu me
perguntei se eu achava que estava sendo seguida. Não havia faróis no espelho
retrovisor.
Nada de carros a frente, tampouco. Eu estava completamente
sozinha. Não era um pensamento muito confortante. Eu acelerei o carro para
setenta quilômetros.
Eu achei o limpador, mas mesmo na velocidade máxima eles não
conseguiam manter o ritmo da chuva martelante. O sinaleiro a frente ficou
amarelo.
Eu parei, chequei para ver se o tráfego estava vazio, então
fui para a cruzamento.
Eu escutei o impacto antes de registrar a silhueta negra
derrapando pelo capô do carro.
Eu gritei e pisei fundo no freio. A silhueta golpeou contra
o para-brisa com uma explosão estilhaçante.
Em impulso, eu virei duramente o volante para a direita. O
final do Neon desacelerou, mandando-me girando no cruzamento. A silhueta rolou
e desapareceu pela beirada do capô.
Eu estava segurando minha respiração, apertando o volante
entre minhas mãos de dobras brancas. Eu levantei meu pé dos pedais. O carro
moveu-se rapidamente e parou.
Ele estava agachado a alguns metros, me observando. Ele não
parecia nem um pouco... ferido.
Ele estava vestido totalmente de preto e misturava-se a
noite, dificutando dizer como ele era. De primeira eu não consegui distinguir
nenhum traço facial, e então eu percebi que ele estava usando uma máscara de
esqui.
Ele ficou de pé, fechando a distância entre nós. Ele achatou
suas palmas na janela do lado do motorista. Nossos olhos se conectaram através
dos buracos na máscara. Um sorriso letal pareceu crescer nos dele.
Ele deu outro golpe, o vidro vibrando entre nós.
Eu dei partida no carro. Eu tentei sincronicamente colocá-lo
na primeira marcha, empurrar o acelerador e soltar a embreagem. O motor entrou
em movimento, mas o carro moveu-se rapidamente de novo e morreu.
Eu liguei o motor mais uma vez, mas fui distraída por um
rosnado metálico desafinado. Eu observei com horror enquanto a porta começava a
dobrar. Ele estava arrancando – ela – fora. Eu calquei o carro na primeira.
Meus sapatos deslizaram por sobre os pedais.
O motor rugiu, a agulha de RPM13 no painel cravando na
zona vermelha.
Seu punho passou pela janela numa explosão de vidro. Sua mão
tateou meu ombro, fixando-se ao redor da minha mão. Eu dei um grito rouco,
pisou com força no acelerador, e soltei a embreagem. O Neon guinchou em
movimento. Ele segurou, apertando a minha mão, correndo ao lado do carro por
diversos metros antes de soltar.
Eu acelerei para frente com a força da adrenalina. Eu
chequei o espelho retrovisor para ter certeza de que ele não estava me
perseguindo, então empurrei o espelho para encarar a distância. Eu tive que
pressionar os meus lábios juntos para impedi-los de soluçar.