Minha mãe e eu viviamos em uma casa de fazenda do século dezoito
no limite de Coldwater. É a única casa na Alameda Hawthorne, e os vizinhos mais
próximos estão há quase 1,6 quilômetros de distância. Às vezes me pergunto se o
construtor original percebeu que de todos os pedaços de terra disponíveis, ele
decidiu construir a casa no olho de uma misteriosa inversão atmosférica que
parece sugar toda a névoa da costa do Maine e transplantá-la no nosso jardim. A
casa estava nesse momento velada por uma melancolia que lembrava espíritos que
escaparam e estão vagando.
Eu passei a noite plantada em um banquinho de bar na cozinha
na companhia da lição de álgebra e Dorothea, nossa governanta. Minha mãe
trabalha para a Empresa de Leião Hugo Renaldi, coordenando leilões imobiliários
e de antiguidades em toda a costa oeste. Essa semana ela estava em Charleston,
Carolina do Sul. Seu trabalho requeria muitas viagens, e ela pagava Dorothea
para cozinhar e limpar, mas eu estava bem certa de que as letras miúdas da
descrição do trabalho da Dorothea incluíam manter um olho observador e parental
em mim.
“Como foi a escola?” Dorothea perguntou com um ligeiro
sotaque alemão. Ela estava de pé na cozinha, esfregando lasanha cozida demais
de uma caçarola.
“Tenho um novo parceiro de biologia.”
“Isso é uma coisa boa, ou uma coisa ruim?”
“Miley era a minha antiga parceira.”
“Humph.” Mais esfregação vigorosa, e a carne na parte
superior do braço de Dorothea sacolejou. “Uma coisa ruim, então.”
Eu suspirei em concordância.
“Me conte sobre a sua nova parceira. Essa garota, como ela
é?”
“Ele é alto, moreno, e irritante.” E misteriosamente
fechado. Os olhos de Joe eram órbitas negras. Retendo tudo e retornando nada.
Não que eu quisesse saber mais sobre o Joe. Já que eu não tinha
gostado do que eu tinha visto na superfície, eu duvidava de que eu gostaria do
que estivesse espreitando lá no fundo.
Só que, isso não era exatamente verdade. Eu tinha
gostadomuito do que eu tinha visto. Músculos longos e magros em seus
braços, ombros largos, mas relaxados, e um sorriso que era parcialmente
brincalhão, parcialmente sedutor.
Eu estava em uma aliança incômoda comigo mesma, tentando
ignorar o que começara a parecer irresistível.
Às nove horas, Dorothea terminou o jantar e trancou a casa
ao sair. Como forma de adeus, eu pisquei as luzes da varanda duas vezes; elas
devem deve ter penetrado a névoa, porque ela respondeu com uma buzina. Eu
estava sozinha.
Eu fiz um inventário dos sentimentos brincando dentro de
mim. Eu não estava com fome. Eu não estava cansada. Eu não estava nem mesmo tão
solitária. Mas eu estava um pouco inquieta sobre a minha tarefa de
biologia. Eu tinha dito ao Joe que eu não ligaria, e seis horas atrás eu tinha
falado sério. Tudo em que eu podia pensar agora era que eu não queria falhar.
Biologia era a minha matéria mais difícil. Minha nota oscilava
problematicamente entre 9 e 8. Na minha mente, essa era a diferença entre uma
bolsa de estudos integral e parcial no meu futuro.
Eu fui para a cozinha e peguei o telefone. Eu olhei para o
que tinha sobrado dos sete números ainda tatuados na minha mão. Secretamente,
eu esperava que o Joe não atendesse a minha ligação. Se ele não estivesse
disponível ou cooperasse nas tarefas, era uma evidência que eu podia usar
contra ele para convencer o Treinador a desfazer o mapa de assentos.
Sentindo-me esperançosa, eu digitei seu número.
Joe respondeu no terceiro toque. “E aí?”
Em um tom prosaico, eu disse, “Estou ligando para ver se
podemos nos encontrar hoje à noite. Eu sei que você disse que está ocupado, mas
–”
“Demi.” Joe disse meu nome como se fosse a parte final de
uma piada. “Achei que você não fosse ligar. Nunca.”
Eu odiava estar comendo as minhas palavras. Eu odiava o Joe
por estar esfregando-as. Eu odiava o Treinador por suas tarefas
enlouquecedoras. Eu abri minha boca, esperando que algo inteligente saísse.
“Bem, podemos nos encontrar ou não?”
“Acontece que eu não posso.”
“Não pode ou não vai?”
“Estou no meio de um jogo de sinuca.” Eu ouvi o sorriso em
sua voz. “Um jogo de sinuca importante.”
Pelo barulho de fundo que eu ouvi em sua linha, eu
acreditava que ele estava dizendo a verdade – sobre o jogo de sinuca. Se isso
era mais importante que a minha tarefa de biologia, era debatível.
“Onde você está?” eu perguntei.
“Bo's Arcade. Não é o seu tipo de lugar.”
“Então vamos fazer a entrevista no telefone. Eu tenho uma
lista de perguntas bem –”
Ele desligou na minha cara.
Eu encarei o telefone em descrença, então arranquei uma
folha de papel em branco do meu caderno. Eu rabisqueiBabaca na primeira
linha. Na linha abaixo dessa eu acrescentei Fuma charutos. Vai morrer de
câncer de pulmão. Com sorte logo. Excelente forma física.
Eu imediatamente risquei a última observação até que ficasse
ilegível.
O relógio do micro-ondas piscava 21:05. Da minha
perspectiva, eu tinha duas escolhas. Ou eu inventava minha entrevista com o Joe,
ou eu dirigia até a Bo's Arcade. A primeira opção podia ter sido tentadora, se
ao menos pudesse bloquear a voz do Treinador alertando que ele checaria todas
as respostas para autenticidade. Eu não conhecia o suficiente sobre Joe para
blefar a entrevista inteira. E a segunda opção? Nem mesmo remotamente
tentadora.
Eu atrasei tomar uma decisão tempo o bastante para ligar
para minha mãe. Parte do nosso acordo para ela trabalhar e viajar tanto era que
eu agisse responsavelmente e não fosse o tipo de filha que requisitasse
supervisão constante. Eu gostava da minha liberdade, e eu não queria fazer nada
para dar à minha mãe uma razão para cortar seu salário e pegar um trabalho
local para ficar de olho em mim.
No quarto toque, seu correio de voz atendeu.
“Sou eu,” eu disse. “Só estou checando. Tenho lição de
biologia para terminar, depois eu vou para a cama. Me ligue no almoço, se você
quiser. Te amo.”
Depois de desligar, eu achei uma moeda de 25 centavos na
gaveta da cozinha. É melhor deixar decisões complicadas para o destino.
“Cara eu vou,” eu disse ao perfil de George Washington.
“Coroa eu fico.” Eu joguei a moeda de 25 centavos no ar, achatei-a nas costas
da minha palma, e ousei dar uma espiada. Meu coração espremeu uma batida extra,
e eu disse a mim mesma que eu não tinha certeza o que isso significava.
“Não está mais nas minhas mãos agora,” eu disse.
Determinada a acabar com isso o mais rápido possível, eu
agarrei um mapa da geladeira, apanhei minhas chaves, e recuei meu Fiat Spider
pela estrada. O carro provavelmente fora fofo em 1979, mas eu não era louca
pela pintura marrom chocolate, pela ferrugem se espelhando desenfreada pelo para-choque
traseiro, ou pelos assentos arrebentados de couro branco.
A Bo's Arcade acabou sendo mais longe do que eu teria
gostado, aninhada perto à costa, uma viagem de trinta minutos. Com o mapa
esticado no volante, eu parei o Fiat em um estacionamento atrás de um amplo
prédio de blocos cinzas com uma placa elétrica piscando BO'S ARCADE, MAD BLACK
PAINTBALL & OZZ’S POOL HALL. Grafite salpicava as paredes, e butucas de
cigarro pontuavam a calçada. Claramente o Bo's estaria cheio de futuros
estudantes da Ivy League7 e cidadãos modelo. Eu tentei manter meus
pensamentos altivos e indiferentes, mas meu estômago estava um pouco inquieto.
Checando novamente se eu tinha trancado todas as portas, eu me dirigi para
dentro.
Eu fiquei na fila, esperando passar pelas cordas. Enquanto o
grupo à minha frente pagava, eu passei me espremendo, andando na direção do
labirinto de sirenes estrondeantes e das luzes piscantes.
“Acha que merece um passe grátis?” gritou uma voz rouca de
fumaça.
Eu me virei e pestanejei para o caixa excepcionalmente
tatuado. Eu disse, “Não estou aqui para brincar. Estou procurando por alguém.”
Ele resmungou. “Se quiser passar por mim, tem que pagar.”
Ele colocou suas palmas sobre o balcão, onde uma tabela de preços tinha sido
colada com durex, mostrando que eu devia quinze dólares. Somente dinheiro.
Eu não tinha dinheiro. E se eu tivesse, eu não teria
desperdiçado-o gastando uns poucos minutos interrogando o Joe sobre sua vida
pessoal. Eu senti um fluxo de raiva pelo mapa de assentos e por ter que estar
aqui em primeiro lugar. Eu só precisava achar o Joe, então poderíamos assegurar
a entrevista do lado de fora. Eu não tinha dirigido até aqui para ir embora de
mãos vazias.
“Se eu não voltar em dois minutos, eu pago os quinze
dólares,” eu disse. Antes que eu pudesse exercitar um melhor julgamento ou
reunir um rico mais de coragem, eu fiz algo totalmente fora do normal e me
abaixei por debaixo das cordas. Eu não parei lá. Eu me apressei pela arcada,
mantendo meus olhos abertos pelo Joe. Eu disse a mim mesma que não conseguia
acreditar que estava fazendo isso, mas eu era como uma bola de neve rolante,
ganhando velocidade e ímpeto. Nesse momento eu só queria achar o Joe e cair
fora.
O caixa me seguiu, gritando, “Ei!”
Certa de que o Joe não estava no nível principal, eu corri
escada abaixo, seguindo placas para o Ozz’ Pool Hall. Ao fim da escada, uma
trilha de iluminação turva iluminava diversas mesas de pôquer, todas em uso.
Fumaça de charuto quase tão grossa quanto à névoa envolvendo a minha casa
escurecia o teto baixo. Aninhada entre as mesas de pôquer e o bar estava uma
fileira de
mesas de sinuca. Joe estava esticado na que ficava
transversalmente a mim, tentando uma difícil tacada de mestre.
“Joe!” eu chamei.
Bem quando eu falei, ele atirou seu taco de sinuca,
impulsionando-o no topo da mesa. Sua cabeça levantou-se rapidamente. Ele me
encarou com uma mistura de surpresa e curiosidade.
O caixa claudicou os passos atrás de mim, mirando no meu
ombro com sua mão. “Para cima. Agora.”
A boca de Joe se deslocou em outro quase sorriso. Difícil
dizer se era zombador ou amigável. “Ela está comigo.”
Isso pareceu ter alguma influência com o caixa, que relaxou
seu aperto. Antes que ele pudesse mudar de ideia, eu retirei sua mão e
contorci-me entre as mesas na direção de Joe. Eu andei os primeiros diversos
passos a passos largos, mas descobri minha confiança escorregando quando mais
perto eu chegava dele.
Eu fiquei imediatamente consciente de algo diferente nele.
Eu não conseguia exatamente afirmar o que, mas eu podia sentir isso como
eletricidade. Mais animosidade?
Mais confiança.
Mais liberdade de ser ele mesmo. E aqueles olhos negros
estavam me incomodando. Eles eram como imãs, unindo-se a cada movimento meu. Eu
engoli em seco discretamente e tentei ignorar o enjoativo sapateado no meu
estômago. Eu não conseguia exatamente afirmar o que, mas algo em Joe não era
correto. Algo nele não era normal. Algo não era... seguro.
“Desculpe por ter desligado,” Joe disse, vindo ao meu lado.
“A recepção não é boa aqui embaixo.”
É, tá bom.
Com uma inclinação de sua cabeça, Joe gesticulou para que os
outros fossem embora. Houve um silêncio inquietante antes que qualquer um se
movesse. O primeiro cara a sair bateu no meu ombro enquanto passava. Eu dei um
passo para trás para me equilibrar e olhei para cima bem em tempo de receber
olhares frios de outros dois jogadores enquanto eles partiam.
Ótimo. Não era minha culpa que Joe era meu
parceiro.
“Bola oito8?” Eu perguntei a ele, levantando minhas
sobrancelhas e tentando soar completamente certa de mim mesma, dos meus
arredores.
Talvez ele estivesse certo e o Bo’s não fosse o meu tipo de
lugar. Isso não queria dizer que eu ia correr em direção às portas. “Em quanto
estão às apostas?”
Seu sorriso se alargou. Dessa vez eu estava bem certa de que
ele estava zombando de mim. “Nós não jogamos por dinheiro.”
Eu coloquei minha bolsa de mão na ponta da mesa. “Que pena.
Eu ia apostar tudo que eu tenho contra você.” Eu levantei minha tarefa, duas
linhas já preenchidas. “Algumas rápidas perguntas e estou fora daqui.”
“Babaca?” Joe leu em voz alta, inclinando-se sobre seu taco
de sinuca. “Câncer de pulmão? É pra isso ser profético?”
Eu ventilei a tarefa pelo ar. “Assumo que você contribuiu
para a atmosfera. Quantos charutos por noite? Um? Dois?”
“Eu não fumo.” Ele soava sincero, mas eu não engolia.
“Mm-hmm,” eu disse, deixando o papel de lado entre a bola
oito e a roxa sólida. Eu acidentalmente acotovelei a roxa sólida enquanto
escrevia Charutos, definitivamente na linha três.
“Você está bagunçando o jogo,” Joe disse, ainda sorrindo.
Eu captei seu olhar e não pude evitar igualar seu sorriso –
brevemente. “Com sorte não em seu favor. Maior sonho?” Eu estava orgulhosa
dessa porque sabia que iria aturdi-lo. Ela requeria premeditação.
“Beijar você.”
“Isso não é engraçado,” eu disse, segurando seus olhos,
grata por não ter gaguejado.
“Não, mas fez você corar.”
Eu me empurrei para o lado da mesa, tentando parecer apática
enquanto fazia isso. Eu cruzei minhas pernas, usando meu joelho como uma tábua
para escrever. “Você trabalha?”
“Eu sirvo mesas no Borderline. O melhor restaurante mexicano
da cidade.”
“Religião?”
Ele não pareceu surpreso pela pergunta, mas ele não pareceu
radiante com ela tampouco. “Eu pensei que você tivesse dito algumas rápidas
perguntas. Você já está na número quatro.”
“Religião?” eu perguntei mais firmemente.
Joe arrastou uma mão pensativamente pela linha de sua
mandíbula. “Religião não... culto.”
“Você pertence a um culto?” Eu percebi tarde demais que,
embora eu soasse surpresa, eu não deveria ter.
“Acontece que eu estou precisando de um sacrifício feminino
saudável. Eu planejava seduzi-la para que confiasse em mim primeiro, mas se
você está pronta agora...”
Qualquer sorriso restante no meu rosto desapareceu. “Você
não está me impressionando.”
“Eu não comecei a tentar ainda.”
Eu me debrucei da mesa e fiquei de pé encarando-o. Ele era
uma cabeça inteira mais alto. “Miley me disse que você é um veterano. Quantas
vezes você reprovou em biologia do segundo ano? Uma vez? Duas vezes?”
“Miley não é minha porta-voz.”
“Está negando ter reprovado?”
“Estou te dizendo que eu não fui para a escola ano passado.”
Seus olhos me zombaram... Isso só me deixou mais determinada.
“Você é uma cabulador?”
Joe deitou seu taco de sinuca no topo da mesa e curvou um
dedo para mim chegar mais perto. Eu não cheguei. “Um segredo?” ele disse em
tons confidenciais. “Eu nunca fui pra escola antes. Outro segredo? Não é tão
chato quando eu esperava.”
Ele estava mentindo. Todos iam para a escola. Havia leis.
Ele estava mentindo para tirar alguma resposta de mim.
“Você acha que eu estou mentindo,” ele disse em volta de um
sorriso.
“Você nunca foi para a escola, nunca? Se isso for verdade –
e você está certo, eu não acho que seja – o que fez você decidir vir esse ano?”
“Você.”
O impulso de me sentir assustada golpeou-me, mas eu disse a
mim mesma que era exatamente isso que Joe queria. Marcando meu território, eu tentei
agir irritada, ao invés. Ainda assim, levei um momento para achar minha voz.
“Essa não é uma resposta de verdade.”
Ele deve ter dado um passo para mais perto, porque de
repente nossos corpos estavam separados por nada mais do que uma superficial
margem de ar. “Seus olhos, Demi. Esses olhos cinzas frios e pálidos são
surpreendentemente irresistíveis.” Ele curvou sua cabeça de lado, como se para
me estudar de um novo ângulo. “E essa boca curvilínea assassina.”
Espantada não tanto pelo comentário dele, mas pela parte de
mim que respondeu positivamente a ele, eu recuei. “Já chega. Vou cair fora
daqui.”
Mas assim que as palavras saíram da minha boca, eu sabia que
elas não eram verdadeiras. Eu senti o desejo de dizer algo mais. Selecionando
os pensamentos emaranhados na minha cabeça, eu tentei achar o que era que eu sentia
que devia dizer. Por que ele era tão irrisório, e por que ele agia como se eu
tivesse feito algo para merecer isso?
“Você parece saber muito sobre mim,” eu disse, fazendo a
atenuação do ano. “Mais do que você deveria. Você parece saber exatamente o que
dizer para me deixar desconfortável.”
“Você facilita.”
Uma faísca de raiva disparou por mim. “Você admite que está
fazendo isso de propósito?”
“Isso?”
“Isso – me provocando.”
“Diga ‘provocando’ novamente. Sua boca fica provocativa
quando você faz isso.”
“Acabamos aqui. Termine seu jogo de sinuca.” Eu agarrei seu
taco de sinuca da mesa e empurrei para ele. Ele não pegou-o.
“Eu não gosto de sentar do seu lado,” eu disse. “Eu não
gosto de ser sua parceira. Eu não gosto do seu sorriso condescente.” Minha
mandíbula tremeu – algo que tipicamente acontecia quando eu mentia. Eu me
perguntei se eu estava mentindo agora. Se eu estivesse, eu queria me chutar.
“Eu não gosto de você,” eu disse o mais convincentemente que consegui, e enfiei
o taco contra seu peito.
“Estou feliz pelo Treinador nos ter colocado juntos,” ele
disse. Eu detectei uma leve ironia na palavra “Treinador”, mas eu não consegui
descobrir nenhum significado escondido. Dessa vez ele pegou o taco de sinuca.
“Estou trabalhando para mudar isso,” eu reagi.
Joe achou que isso era tão engraçado que seus dentes
apareceram em seu sorriso. Ele se esticou até mim, e antes que eu pudesse me
afastar, ele desembaraçou algo do meu cabelo.
“Pedaço de papel,” ele explicou, jogando-o no chão. Enquanto
ele esticava sua mão, eu notei uma marca na parte interna do seu pulso. De
primeira eu presumi que fosse uma tatuagem, mas um segundo olhar revelou um
marrom rubicundo, uma marca de nascença ligeiramente levantada. Era da forma de
um pingo de tinta esparramado.
“Que lugar infeliz para uma marca de nascença,” eu disse,
mais do que um pouco enervada por estar tão similarmente posicionada à minha
própria cicatriz.
Joe casual e notavelmente deslizou sua manga sobre seu
pulso. “Você preferiria em algum lugar mais privado?”
“Eu não a preferiria em qualquer outro lugar.” Eu não estava
certa de como isso soava e tentei novamente. “Eu não ligaria se você nem ao
menos a tivesse.” Eu tentei uma terceira vez. “Eu não ligo para a sua marca de
nascença, ponto.”
“Mais perguntas?” ele perguntou. “Comentários?”
“Não.”
“Então te vejo na aula de biologia.”
Eu pensei em dizer a ele que ele nunca me veria novamente.
Mas eu não ia comer minhas palavras duas vezes em um dia.
Mais tarde naquela noite um crack! me puxou do
sono. Com meu rosto esmagado contra meu travesseiro, eu fiquei imóvel, todos os
meus sentidos em alerta total. Minha mãe ficava fora da cidade pelo menos uma
vez por mês por causa do trabalho, então eu estava acostumada a dormir sozinha,
e fazia meses desde que eu tinha imaginado o som de passos rastejando pelo
corredor na direção do meu quarto. A verdade era que eu nunca me sentia
completamente sozinha. Logo depois do meu pai ter sido atirado até a morte em
Portland enquanto comprava um presente de aniversário para a minha mãe, uma
presença estranha entrou na minha vida. Como se alguém estivesse orbitando meu
mundo, observando de longe. De primeira a presença fantasmagórica tinha me
apavorado, mas quando nada de ruim sucedeu disso, minha ansiedade perdeu sua
animação. Eu comecei a me perguntar se havia um propósito cósmico para a
maneira como eu estava me sentindo. Talvez o espírito do meu pai estivesse por
perto. O pensamento era geralmente confortante, mas hoje a noite era diferente.
A presença parecia gelo na pele.
Virando a minha cabeça uma fração, eu vi uma forma sombreada
se esticando pelo meu chão. Eu girei para ver um rosto na janela, o raio de luz
transparente do luar a única luz no quarto capaz de jogar sombras. Mas nada
estava lá. Eu apertei meu travesseiro contra mim e disse a mim mesma que era
uma nuvem passando sobre a lua. Ou um pedaço de lixo soprando no vento. Ainda
assim, eu passei os próximos minutos esperando minha pulsação se acalmar.
Na hora que eu reuni coragem para sair da cama, o jardim
abaixo da minha janela estava silencioso e imóvel. O único barulho vinha dos
gravetos de árvore arranhando a casa, e do meu próprio coração batendo debaixo
da minha pele.
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Ai está o segundo capítulo. Preciso de comentarios pra saber se estão gostando da história pessoal... ando meia ocupada com a escola e a internet daqui não ajuda, mais enfim, até próximo capitulo e comentem!
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